sábado, dezembro 31, 2011

Ano-Novo, Vida-Velha-Nova

Um ano que se apresenta é sempre um paiol de expectativas. Partindo da premissa que a maioria delas não se cumprem, pelo contrário, se frustam, as pessoas não mudam tanto quanto queriam ou, sem pensar direito, prometeram. Talvez isso aconteça pela áurea decorrente do Natal (nosso caso, que moramos na banda esquerda do mapa mundi, a despeito da ocidentalização do planeta). Talvez...

Dessa vez não prometerei muita coisa, nem às pessoas, tampouco a mim mesmo. Não sei se é somente o efeito da idade, os freios e airbags que a vida nos impõe. Irei rogar apenas por saúde física e mental, sabendo que o caminho natural é dar espaço às pessoas que se apresentam na condução dos movimentos também naturais do ambiente - natural e social. Peço apenas que os ventos da mudança (não, não falo das Eleições 2012), gerados por nós mesmos, nos guiem à plenitude da vida. Isso depende da saúde física e mental que falei. E que esse desejo não se apresente somente nesta época decorada. E... VAMOS NÓS!



FELIZ 2012!!!




quinta-feira, dezembro 29, 2011

quarta-feira, dezembro 28, 2011

Momento Musical XI

Tinha enviado, via facebook, para D. Rosimere Brito, namorada minha, hoje pela manhã. Desde então, não parei de curtir. O amor tocado com pegada. Porque não precisa ser bossa-nova, indie ou 'bom-dia-sol-bom-dia-mar-ai-tudo-é-tão-lindo' pra reverenciá-lo... exercitá-lo. Não mesmo...

sábado, dezembro 24, 2011

Merry Christmas 2011

QUE A INTENÇÃO DO PERÍODO SIRVA PARA ACALANTAR AS ALMAS DE TODOS E TODAS, E INSPIRE-NOS A BUSCAR POR DIAS SADIOS DORAVANTE!



FELIZ NATAL!

quinta-feira, dezembro 22, 2011

A gente não quer só comida...

Lamentável a postura hora adotada pelo Governo Federal. E não é pura e simplesmente uma crítica única e exclusivamente centrada sobre as cisternas de plástico, PVC ou o que o valha. A crítica posta se fundamenta em enaltecer todo um processo belo por essência, de sublime magnitude. O Programa 1 Milhão de Cisternas, junto a outras ações, é articulado, gerido e desenvolvido pela Articulação no Semi-Árido Brasileiro (ASA), que não é UMA Organização Não Governamental  (ONG)(sinônimo do capeta hoje em dia), mas um fórum de entidades espalhadas pela vasta área denominada de Semi-Árido Brasileiro (sinônimo de inferno desde sempre). Este fórum agrega uma variedade de organismos sociais, sejam eles associações de agricultores (ou associações de associações de agricultores), sindicatos, entidades religiosas e... ONG's. ONG's não são o mal em si. É preciso entender primeiro e depois separar o joio do trigo. Entendo esta não ser a proposta deste post. Continuando... Mesmo com diferentes filosofias e formas de trabalho, essa variedade de grupos possui um paradigma em comum: A CONVIVÊNCIA COM O SEMI-ÁRIDO TUPINIQUIM. Isso por essência é EPISTEMOLOGICAMENTE contrário a histórica idéia de COMBATER A SECA, lutar contra a natureza. Nada a ver. Conviver com o lugar a qual se vive é aprender e construir alternativas de VIVÊNCIA, de convivência com as limitações do ambiente, noção  aplicável a todo e qualquer lugar da Terra. É enxergar as potencialidades postas e utilizá-las. Deveria ser claro, notório e praticado. Mas é aí que começa a merda... muuuita merda. Vamos lá:

No Brasil - e em alguns lugares TAMBÉM socialmente frágeis - convencionou-se utilizar da uma biltre e manipular noção de extrema pobreza sócio-ambiental sobre o Semi-Árido. Adjetivos do tipo "pobre de vida", "inóspito", "rincões" e "terra fodida" são historicamente utilizados (a primeira muito utilizada pelas pessoas espirituosas, a segunda pelos filósofos, a terceira pelos políticos e radialistas, e a quarta por alguns/mas imbecis  nas redes sociais). Era como se todos/as devêssemos correr de lá por causa dos fenômenos da natureza, a destaque para a seca. E muitos/as o fizeram. As pessoas que permaneceram e permanecem por lá nos provaram que é possível sobreviver neste suposto "lugar inóspito". Sofreram o "pão que o diabo amassou", mas o problema não foi ambiental, e sim social... e POLÍTICO. Uma estrutura social que mais lembra o Feudalismo que o Capitalismo se instaurou desde os primórdios da colonização portuguesa., com a idéia de que o interior deveria dar a carne para a elite canavieira do litoral, e o que sobrasse para os trabalhadores escravos desta. Latifúndio na veia! Essa foi a tônica durante muito tempo. Mas tinha o "além-gado", tinha gente por lá, pessoas. Hehehe, nós sertanejos temos antepassados, não viemos da cegonha (pelo que se escuta, é como se acreditassem nisso...). Dessas pessoas, tirem os latifundários e suas famílias, um ou outro profissional liberal (delegado, bancário, babão-mor do prefeito, prostituta vip... e o fiscal de tributos, claro...). Sobrou todo o restante! A grande maioria era "trabalhador/a da roça". Dessas pessoas, algumas eram/são muito engenhosas. Desenvolveram experiências práticas em seus cultivos próprios, com a nobre intenção de melhorar suas presenças em vida. Isso foi sendo passado por gerações e sendo otimizado a cada momento da vida social desses indivíduos. Os bancos comunitários de sementes, a infinidade de defensivos naturais, as barragens subterrâneas, CISTERNAS... "n" estratégias de CONVIVER com os limites impostos pela natureza. E não precisavam das bençãos do coronel, do padre e/ou do governo. Faziam com o pouco material que dispunham. Em paralelo a isso, os governos, TODOS ELES, cuidaram de dar mais poder ($$$) aos donos da bodega (aliás, da fazenda, que, afinal de contas, acaba sendo o dono da bodega). O cara tinha uma fazenda, grande, enorme, e por razões óbvias ($$$) era o dono do lugar e comandava tudo. Misture poder político, econômico e cultural e você tem uma uma sólida fossa intransponível. Um oceano de bosta.

Falando novamente de bons cheiros, voltemos às tais experiências práticas. Pois bem, com o passar do tempo essas idéias ganharam a atenção de pessoas bem letradas, teoricamente bem qualificadas e POLITIZADAS o suficiente, cientes de que toda a engenharia social predominante é montada para manter a estrutura social já mencionada, que sofreu mutações a partir do desenvolvimento do capitalismo in terra brasilis. Essa galera percebeu que com ORGANIZAÇÃO, PLANEJAMENTO E MOBILIZAÇÃO SOCIAL a coisa vai para a frente. Compreenderam que a história pode (e deve!) ser interferida. Que as "bençãos" dos eternos patrões não dão juízo de valor e não importam para a condução de suas vidas. Dessa ORGANIZAÇÃO, PLANEJAMENTO E MOBILIZAÇÃO SOCIAL nasceu a ASA, composta desses experimentadores e teóricos (intelectuais), com algumas novas experiências e conceitos. Da ASA nasceu um fantástico projeto, O PROGRAMA DE FORMAÇÃO E MOBILIZAÇÃO SOCIAL PARA A CONVIVÊNCIA COM O SEMI-ÁRIDO: UM MILHÃO DE CISTENAS). A idéia é construir um milhão de cisternas no semi-árido brasileiro e PROPAGAR TODA ESSA HISTÓRIA COM AS FAMÍLIAS BENEFICIADAS E COM TODA A SOCIEDADE. Nada aqui se mostra na TV...

O governo saca bulhufas dessa história. Portanto, nada melhor que um fórum bastante participativo no semi-árido como a ASA para tomar conta. Com toda a lógica já mencionada e detentora da tecnologia de produção da CISTERNA DE PLACA, A ASA multiplicou este conhecimento semi-árido adentro (ou seria afora???). Dai surgiram uma infinidade de pessoas qualificadas para construir as cisternas. Na base da pirâmide sócio-econômica isso se constitui num considerável choque. E a lição de cidadania se fortalece com o estágio de vivência que se tira daí. Todos participam do processo, do coordenador executivo do projeto à família beneficiada. Só que a ASA não fabrica dinheiro. O governo fornece o "dim-dim" pra coisa rolar. Uma atitude louvável, diria, nossos impostos sendo bem empregados e tal. Mas é justamente aí que temos outro problema, outra merda, outro oceano de bosta:

Nosso governo possui em sua composição pessoas que compreendem esta história política, militaram nela. Beleza, alguns mostraram quem na verdade são, usurpadores de mão cheia, lobos na pele de cordeiro (e isso é um insulto aos lobos e aos cordeiros!). Mas vamos falar dos bem intencionados... ainda existem por aí. Eles dividem sob uma razão nada proporcional o comando do governo com seres já lembrados ($$$). Esses caras continuam casando, batizando, cagando e andando com o poder político. A estrutura já dita não se alterou, pelo contrário, continuou a mesma. As pessoas ditas, os bem intencionados, fazem algo e aliviam as agruras do "Sisti", o monstro (apelido carinhoso dado por Raul Seixas). Como nossos monstros estão em baixa ultimamente precisam do "deus" mercado para sobreviver. Portanto, vamos matar dois coelhos de uma só vez! Matamos todas as perspectivas contrárias a nossa indústria (no caso, a indústria da seca) e socorremos os amigos (no caso, a indústria propriamente dita) da crise do capitalismo recente. Dessa última não me deterei por falta de saco e por ser de domínio público seus estágios de "estafa". É no mínimo bizarro (pra não dizer escroto) ver os comentaristas de economia nos telejornais falando que "o mercado não reagiu bem a isso ou aquilo outro". Soa humano. Se constitui num "ser" para eles... e assim é tratado. Um ser humano nos tempos de crise, que precisa ser remediado, ou uma entidade divina em tempos de "prosperidade".

Comecei o parágrafo anterior dizendo que o governo saca bulhufas. Melhor dizendo - e pior ficando, SACA ATÉ DEMAIS...




PS - Tem muita história aí no meio que daria mais um 500 posts... fico por aqui.

MINHA SOLIDARIEDADE AO TRABALHO DA ASA E A TODOS E TODAS QUE VESTEM A CAMISA DA CONVIVÊNCIA COM O SEMI-ÁRIDO!

quarta-feira, dezembro 21, 2011

Com a palavra (III)... Paulo Freire

Sua oratória e conteúdo por si só justifica, estritamente nesta entrevista, o registro. Todas as suas obras, pedagogias, do oprimido, da autonomia, etc, são reflexos dessa visão de mundo. Seu entendimento acerca das marchas é perfeito. Aliás, vale dizer, que não concordo com tudo o que rola nesta série, tudo o que nossos "gurús" pensam. Como nosso amigo abaixo, entendo que os processos são diferentes de pessoa para pessoa. Portanto posso eventualmente discordar de uma coisa ou outra dita por nossos/as amigos/as que pintarão por esta série. No entanto, procuro manter vivas as essências. Se há uma coisa que o homem aí tem é ESSÊNCIA.


Para os/as desavisados/as, lembro da total anarquia que é a sequência desta série. Comecei com Marcelo Nova, Renato Russo, depois Paulo Freire (!). O próximo?! Ihhh, não faço idéia...

Já rolou um tempo disso aí, a perspectiva governamental e da relação social eram outras. Porém, passados processos históricos, tudo permanece no ar.





domingo, dezembro 18, 2011

Momento Musical X

Morreu Ed Wilson. Não... não foi hoje ou ontem. Foi dia 03/10 e soube neste exato momento. O saudoso "tio" fundou o Renato e Seus Blue Caps junto aos seus irmãos, não por coincidência, Renato, e Paulo Cesar Barros. Foi um dos compositores máximos da Jovem Guarda, além de outros trabalhos, música pop afora. Mais um que se vai...



Anos Incríveis...


Lembro-me de ter sido, quando moleque, um fervoroso telespectador desse seriado. Morava em Mauá, Sampa. O ambiente de subúrbio fazia-me encaixar ao contexto. Talvez por isso não era de me identificar com novela. Salvo ótimas exceções, é sempre aquela história da periferia que no final das contas se mistura harmoniosamente com o high society, geralmente com uma pseudo-campanha de "salvem os doentes e as baleias", fato que a torna "social e ecologicamente responsável". Coisas da ideologia vigente, da tal "ditadura do pensamento único", vigente por essas bandas desde... desde... desde sempre.

Bom, o seriado em epígrafe nos traz variações particulares da infância e adolescência de um sujeito, o Kevin. Daí sua vida segue. Um jovem comum, fazendo coisas comuns. A beleza está nas sutilizas do cotidiano. Grandes coisas surgem...

São muitas lembranças soltas. Tempos que passam e corroboram o travamento da memória. Preciso assistir novamente. A abertura, essa sim, segue intacta nas lembranças... E logo com With A Little Help From My Friends, dos Beatles, extraordinariamente interpretada por Joe Cocker, que a imortalizara em Woodstock.


Agradecimentos ao amigo Luis Fernando Mifô (Jocivan) por proporcionar tal achado na mente.

quinta-feira, dezembro 15, 2011

Conc(s)ertos para a juventude


Por aqui, driblando o sono com coisas produtivas. Por sinal, tava conversando com o Rubens sobre isso quando de sua auspiciosa visita aqui por terras filipescas. A noite nos envolve num espectro intelectual reluzente. É como se a banda pensante do cérebro, cadente à criatividade insana (com ou sem malícias, hehe) atingisse seu pico depois da meia-noite. Comigo sempre funcionou assim. O título do blog, Visão Noturna, tenta sintetizar isso.

Bom, dorgas a parte, cá estou assistindo ao sarau filosófico do CPFL Cultura, Programa Café Filosófico, tendo o Lobão como convidado (pois é, ainda há salvação advinda do aparelho televisor...). O mediador inicia provocando com este belíssimo texto, filosófico, poético, envolvendo mística e racionalidade sobre música, e seu consequente exercício reflexivo da totalidade. Reproduzo:


A MISSÃO DA MÚSICA NO MUNDO MODERNO
Thomas Mann

A música é um grande mistério. Em virtude de sua natureza sensual-espiritual e da surpreendente união que ela realiza entre a regra estrita e o sonho, entre a razão e a emoção, entre o dia e a noite, ela é sem dúvida o mais profundo, o mais fascinante e, aos olhos do filósofo, o mais inquietante dos fenômenos.

Desde a minha juventude eu tenho refletido sôbre o seu enigma, procuro contorná-lo, e resolvê-lo. Como escritor, eu ia aonde me levava o caminho da música, cedendo inconscientemente à sua influência no meu estilo e na minha eterna maneira, e sempre me sinto feliz quando amadores e mestres da música gostam da minha obra pelo que apresenta de afinidade com a música.

Desde cedo na minha vida, a admiração e a curiosidade fizeram-me procurar a companhia de músicos; isto me proporcionou desencantos e decepções em alguns casos, mas em outros uma larga e rica experiência. Escrevo estas linha para testemunhar o meu respeito a um homem que é meu amigo há mais de uma geração, que por vinte anos foi meu bom e amável vizinho num subúrbio de Munich, e com o qual partilho hoje um rumo político idêntico e um sofrimento comum.

Êsse sofrimento não é uma questão pessoal —pois a nossa pátria adotiva tem sido boa para nós— mas surge de sombrio destino do país de onde saimos —a Alemanha, o país da mais boa música, êsse páis ambíguo que se transormou numa ambígua ameaça à liberdade e aos direitos humanos e que fêz com que a humanidade indignada mobilizasse suas imensas fôrças defensivas.

Há cinquenta anos, em Colônia, Bruno Walter, um rapaz de 17 anos, empunhou pela primeira vez a batuta para dirigir a execução do “Waffenschmied”, de Lortzing. E um jornal de Colônia escreveu isto a respeito: “Dentro de muito pouco tempo esse jovem maestro dará o que falar”. Assim aconteceu, e a tal ponto que a própria música está em causa quando se fala de Bruno Walter. Pois êsse homem, que agora tem 67 anos, é um dos 4 ou 5 destacados representantes e guardiães da música. E a sua própria recordação dos últimos cinquenta anos acompanha um trecho da história musical inseparável do seu próprio desenvolvimento e das suas realizações. Também vai de par com um trecho da história universal cheia de agitados acontecimentos – aconteceimentos que o forçaram, como a todos nós, enfrentar firmemente os problemas básicos da humanidade, o problema do próprio homem. Êle olha para trás com o olhar pensativo que foi dolorosamente experimentado, que cresceu com os anos em experiência e sabedoria; que, ao refletir sobre sua vida, não pode deixar de incluir muita coisa que não está em sua esfera pessoal, muita coisa que diz respeito à arte e à humanidade. E eu ouso dizer que neste seu 67.º aniversário, seus pensamentos estão seguindo linhas muito semelhantes ao do meu quando escrevo sobre ele.

Harmonia – isto é mais do que um conceito estético, é um princípio cósmico; esta palavra está no princípio, ou muito perto do princípio do pensamento ocidental. Ela deriva da filosofia grega-socrática, da idéia pitagórica do mundo. A palavra “harmonia” significa música, mas apenas secundariamente; originalmente, quer dizer matemática.

A matemática foi a grande paixão de Pitágoras, bem como a proporção abstrata, o número, de que aquêle espírito devoto e austero fêz o princípio mesmo da craição e da conservação do mundo. Naqueles dias remotos, êle olhava para a natureza como alguém que a conhece, que havia sido iniciado; e pela primeira vez falou nela, sublimemente, como num “cosmos”, como ordem e harmonia, como sistema espiritual e sonoro das esferas. Visto que o número e a relação numérica estão no próprio âmago do ser, essa concepção une reverentemente tudo o que é belo, verdadeiro e racionalmente moral. Mas o mundo não é todo êle acôrdo e harmonia de esferas; êle possui tendências irracionais e demoníacas que os gregos não desprezam, mas procuraram dominar e integrar em sua religião. Assim o culto de Eleusis adorava as fôrças obscuras do mundo inferior. E o pensamento pitagórico também tinha as caracteristicas de um mistério religioso, daqueles ritos secretos que incluiam uma espécie de drama sagrado e tiveram grande influência no desenvolvimento da filosofia grega.

Essas cerimônias religiosas implicavam uma situação do mundo como um todo, tanto o racional como o irracional. A mais bela herança que devemos aos gregos é êsse conceito cultural que insiste numa piedosa e santificante inclusão das fôrças da treva no culto dos deuses. Se o mundo é música, inversamente, a música é o reflexo do mundo, de um cosmos semeado de fôrças demoníacas.

Música é número, a adoração do número, é álgebra ressonante. Mas a própria essência do número não conterá um elemento de mágica, um toque de feitiçaria? A música é uma teologia do número, uma arte austera e divina, mas uma arte em que todos os demônios estão interessados e que, entre tôdas as artes, é a mais susceptível ao demoníaco. Pois ela é ao mesmo tempo código moral e sedução, lucidez e embriaguez, um apêlo ao mais intenso estado de alerta e um convitre ao mais doce sonho de encantamento, razão e anti-razão – em suma, um Mistério com tôda a iniciação e os ritos educativos que desde Pitágoras foram parte integrante de todos os mistérios. E os sacerdotes e mestres da música são os iniciados, os preceptores dêsse ser duplo, a totalidade demoníaco-divina do mundo. Vida, humanidade e cultura.

Durante as últimas décadas os povos do ocidente, os alemães em primeiro lugar, ficaram decepcionados com a razão, na qual tinham posto excessiva confiança. E assim, numa espécie de voluptuoso desespêro, dedicaram-se a um culto exagerado e tendencioso das fôrças da treva, ao irracional e ao demoníaco. Pensaram ver a vida na anti-razão. Julgaram-na chamados a defendê-los contra a inteligência, e assim fazendo perderam de vista o verdadeiro conceito de humanidade, que nunca é uma parte ou outra, mas só atinge a realização no Mistério do todo. Num tremendo sofrimento, êsses povos do Ocidente voltam-se para recuperar êsse conceito religioso. Apoderou-se dêles uma esperança apaixonada no sentido de um mundo melhor e mais justo —mais justo em todos os sentidos, inclusive o de um equilíbrio humano mais feliz. É a esperança de uma humanidade que, ao invés de reprimir e portanto exasperar o irracional, aceita francamente, venera e portanto santifica essas fôrças demoníacas e coloca-as ao serviço da cultura.

Não admira que tantos corações se inclinem com maior fervor e ansiedade do que nunca para os mistérios da música e que ao mesmo tempo os problemas da educação tomem o primeiro lugar nos pensamentos e nos debates públicos.