quarta-feira, junho 26, 2013

Um Gigante Contra Outro

Pergunto se em alguma etapa de nossa existência pós 1500, mesmo pós-colonial, ou neocolonial, tivemos ou temos algo semelhante ao conceito clássico de cidadania. Ter direitos e deveres a cumprir em favor da comunidade e do conjunto delas é muito mais do que acessar grana suficiente para comprar um telefone celular de sete chips em doze vezes no cartão.

Na sociedade do capital, a vala-comum é comemorar a ascensão de milhões à condição de potenciais consumidores. Nada contra. Quem não quer antenar-se com as evoluções tecnológicas visando um bem-estar material?! Ouço e vejo muita gente hipócrita que critica o desejo das pessoas em acessar bugigangas, mas não abrem mão dos seus ipods, ipads, GPS, etc, etc, etc. O cinismo é ainda maior com o pessoal do campo: quando o camarada troca o jumento pela moto logo aparecem aqueles que exalam por seus poros velhos preconceitos sociais.

Devemos considerar, no entanto, que cidadania vai além do poder de compra. Na sociedade atual, tudo se reduz a capacidade de comprar bens e serviços, o que nos remete ao entendimento de que aqui não existe cidadania plena, longe disso. Que, ao contrário da propaganda oficial, não somos um país de todos, mas daqueles com condições monetárias de comprar bens e serviços. Não são cidadãos, são CLIENTES. Não somos um país-nação, mas uma COMPANHIA. Quer-se saúde, que a compre na esquina ou pague caro por um hospital particular. Quer seu filho se dando bem na vida, pague! Matricule-o no Colégio "fulano de tal", particular. A noção de educação, mesmo a pública, sucateada, é bancária, que visa resultados, como se estivéssemos calculando quantos robôs acríticos se produz numa determinada escala de produção. Quer-se uma praça tranquila para passear, caminhar, que vá morar num condomínio privado, com você pagando por tudo onde pisa. Não preciso falar de nossos patrimônios sendo paulatinamente privatizados e entregues a iniciativa privada (rios e suas hidrelétricas, estradas, exploração do petróleo, minérios, etc.). Nossos impostos (dos maiores deste planeta) cada vez mais servem para manter o superávit primário e financiamentos escuros para empresas lucrarem com serviços vendidos à população.

Governantes de todas as esferas são fantoches nesse processo. A estrutura política nacional favorece isso. Ou alguém em sã consciência acharia que um oligopólio de empresas de ônibus interurbanos, que com milhões apoiam candidaturas Brasil adentro, irá compactuar com Passe-Livre sem que o Estado banque tudo o que for necessário ao mantimento de sua margem de lucro? Qual estabelecimento irá querer um trabalhador consciente que é explorado? Que carteira assinada, férias e décimo terceiro são obrigações da empresa e não favor ou camaradagem? Qual emissora de TV ou rádio de grande porte irá contrariar essas empresas, que são seus principais patrocinadores? 

Isso tem nome: Neoliberalismo. Grande parte da galera insatisfeita com esse estado de coisas, que agora está na rua, viu isso na escola, nos livros de História e Geografia. Não é nenhuma novidade. De um lado, é preciso perceber que de uns anos pra cá, por ação governamental, seus efeitos catastróficos foram diminuídos para a população mais carente. Não nego isso. Temos avanços, ou melhor, temos maior contenção das desigualdades provenientes do Neoliberalismo através de uma rede de políticas sociais. Um pequeno avanço se percebe em saúde, sobretudo nos atendimentos de urgência. Na educação, focando na Educação Profissional e no Ensino Superior, aumentou-se a oferta, interiorizou-se, ajudando pequenas e médias cidades do interior a seguir sua vida. Porém todo esse processo é bastante contraditório. E a educação da criançada continua de mal a pior, apesar da luta dos heróis e das heroínas que no dia a dia estão lutando contra um sistema concebido para não dar certo. Nada melhor que ser um professor e ouvir colegas para confrontar com aquela propaganda da "escadinha do IDEB (índice de Desenvolvimento da Educação Básica)".

Em suma, temos motivos de sobra para estar nas ruas. Porém, é preciso entender a lógica disso tudo e as forças que estão por trás de nossas mazelas. Isso não surgiu agora, não é culpa exclusiva desse ou de qualquer outro governo isoladamente, e não será depondo presidente, governador ou algum deputado fundamentalista que isso mudará a ponto de nos trazer resultados concretos. É preciso interferir diretamente naquele quadro acima. Aí poderemos falar em cidadania. O gigante que acordou deve confrontar o outro gigante. Aquele que acena com suas mãos invisíveis sobre todos nós e que a única coisa que não faz é dormir.

sexta-feira, junho 14, 2013

O Busão e a História

Acordar bastante cedo. Pudera, teremos um longo caminho até a labuta. A vida não tá fácil, longe disso. Muito tempo de condução, condições ruins, a maioria em pé, encurralados. A turbulência da viagem já nos deixa doentes antes mesmo de algum vírus pensar em fazê-lo. Nosso dia-a-dia de trabalho não colabora em muita coisa extra corpo, nos garante comida pra poder ter o mínimo de força pra encarar o outro dia. Mas agradeço ao meu padim pelo pouco que tenho. É nossa condição, é o que nos resta. Sem contar que existe, aqui na Colônia, um forte sentimento de vingança por parte dos donos do poder contra aqueles que se atrevem a reclamar. Pior que isso, grande parte de nossos semelhantes odeia quando fazemos isso, mesmo estes sofrendo às mesmas agruras, talvez piores. Que somos vítimas de muitos preconceitos, todos sabem. O pior é ter que aguentar quietos. Quando os mentirosos não mais nos enganan, passam a apoiá-los quando nos calam no chicote, no porrete. À noite, quando estamos juntos, rola umas conversas de que as coisas vão indo bem, a grande produção aumentou nossas esperanças de finalmente termos um país de verdade, termos nossa tão sonhada liberdade.

Estúpido que não sou pra acreditar nisso. Deve ser o que chamam de história mal contada, repetida várias vezes, tornando-se verdade. Para que ninguém diga que sou um vagabundo, que sou preguiçoso, não vou falar do trabalho, da pouca comida e da não condição de desenvolver lazer, cultura, etc. Dessa vez falarei de outra coisa, compreendendo que está totalmente envolvida com as outras. Falarei da condução, do NAVIO NEGREIRO.

Cara, ele é horrível!  Pense num aperto dos diabos. Não são poucas as vezes que pessoas adoecem com aquela tormenta. Tem caso até de gente que morre, não tenha dúvida. E pensar que é só o começo, mas prometi não reclamar do trabalho, afinal de contas ainda me resta comida pra poder trabalhar e que, a cada dia, sou ensinado que não se pode reclamar, senão me tornarei um vândalo. Tem coisa pior que isso?!

Mas tão falando que esse tal de capitalismo que está por vir cobrará por tudo que nos rodeia. Dizem que, no futuro, as pessoas vão ganhar dinheiro com o suor do seu trabalho e com ele teremos o direito de comprar ou utilizar o que precisarmos. Não moraremos mais no barracão, temos que nos virar com um tal de “salário”.

Será que irão melhorar o Navio Negreiro? Bom, acho que sim. Vamos ter que pagar por isso também, não é?!

Será que poderemos reclamar dos problemas?

sexta-feira, junho 07, 2013

Ode à VONTADE ("Faze o que tu queres")


Adoto um conceito e sentimento com relação à arte que se estende a diversos outros aspectos da vida. Melhor, se a arte está em tudo, necessariamente este conceito estará.

Não precisa ser afinado, bem traçado, etc. Não é necessário vestir roupas em cores cítricas, em neon (ou em led) para chamar atenção. Aliás, cabe um adendo. A imagem também faz parte, é intrínseca quando da apresentação de algo, seja o que for. Ela também se faz presente num momento de criação, por que não?! Talvez seja na imagem que identificamos qual é a do cara, o que quer dizer. É o primeiro contato com alguma ideia. Indo além, pode dar pistas de sua ideologia, delineada ou não. Tudo bem, a imagem, que compreende o visual, as técnicas de oralidade, etc, etc, fazem parte do espetáculo pelos palcos da vida, artística ou cotidiana.

Penso, mesmo assim, que o lance é ser honesto. Propor-se a algo utilizando a alma (ou, para os mais descrentes, trazendo o sistema nervoso ao seu favor), com sangue nos olhos. O sorriso e os olhos de uma pessoa quase sempre entregam. Impossível ser falso o tempo inteiro. Talvez exista gente que consiga, vai saber... Por outro lado, em diversas vezes nos sentimos obrigados a valer, talvez não da falsidade, mas do exercício do recuo, fazendo coisas com as quais não estamos com o menor pique. Estabelecendo limites, acho imprescindível perceber que o mundo não concatena órbita com nosso umbigo (a despeito de muitas pessoas agirem como se fosse) e que o meio alimenta enquanto alimentamo-lo.

Esse arrodeio é pra exaltar o quão é legal fazer aquilo que tu tens vontade de fazer. Raul Seixas nos diz em "A Lei", canção - manifesto da Sociedade Alternativa, que prevaleça o amor, mas o amor sob vontade. "Essa é a nossa lei e a alegria do mundo", bradava. Penso que é por aí mesmo. Você só faz aquilo que tem sede por fazer. E ela é motivada por aquilo em que se acredita que faça parte de si, que o furor da realização faz levantar seus pelos que ainda estão para nascer. Desta feita digo sem o "talvez": QUANDO O CABRA TEM VONTADE MESMO, A COISA SAI. Até o Paulo Coelho (que não me diz muita coisa) disse isso. "Se QUISERES algo do fundo da alma, o universo inteiro conspira" (e blá, blá, blá). É mais um exemplo. Quando se quer e, principalmente, se consegue, aí é o felling, o Nirvana, as mandalas, o que for. Se se parar pra pensar, a gente faz tanta coisa pra atingir esse estado de espírito (ou a tal sensação de gozo do sistema nervoso) que não nos damos conta. Movemos céus e terra. Fazemos coisas que não gostamos tanto (ou o tal recuo dito acima). Dedicamos longos períodos de vida (estudos, ensaios, dispêndio de força de trabalho). Mesmo sabendo que estamos metidos ao máximo nesta prisão social, há algo que nos orienta a mandar tudo para o raio que o parta e a avançar naquilo que acreditamos piamente e que alumia a construção de algo novo.

O novo?! Quem sou eu pra contrariar o “Belchis”... "O novo sempre vem"!