terça-feira, agosto 27, 2013

Médicos do Mundo

(Verso cantado) Nós médicos já nascemos ricos!

Ok, ok, não adentrarei a este assunto em específico. Tenho amigos/amigas médicos/médicas. Conheço-os/as o suficiente para não cair na armadilha da generalização cega, igual àquele resumão de um texto extenso o qual o redator, por displicência ou pura preguiça, não lê com a devida atenção e deixa o principal de fora.

Sei e atesto que muita gente não gosta do interior ou da periferia de uma grande cidade. Não é exclusividade de médicos. Conheço muitos que tem horrores aos grotões (doravante falarei apenas do interior por afinidade e conhecimento de causa), de estudantes do ensino médio a marcianos. Pior, gente própria do interior, iguais a mim, parida na terrinha. Quem nunca ouviu aquela máxima de algum conterrâneo, "ah, vou me embora desta m*, lugar de gente atrasada, sem opções de lazer, sem praia...". E o que dizem acerca das periferias dessas pequenas cidades? Domínio público. Pensamento elitizante de gente elitizada, óbvia sintonia. Não é exclusividade de médicos. De fato, para quem está acostumado com o barulho, engarrafamentos, violência exacerbada, com a frieza das relações humanas, viver no interior é algo bem diferente. Aliás, AINDA é diferente.

Sabemos da falta de estrutura para as necessidades totais de atendimento à população. Além de profissionais do ramo, precisamos de hospitais, materiais, equipamentos, etc, etc. Só um louco não enxerga isso. Vemos uma tímida interiorização deste complexo de serviço de algumas décadas para cá, e ponha tímida nisso. Precisamos esperar o período da criação do universo até os dias de hoje para que uma cidade como Patos, com 100 mil habitantes, por exemplo, tenha um centro de oncologia vinculado ao Sistema Único de Saúde (SUS).

Sabe-se também da máxima "é melhor prevenir que remediar". Ao longo dos anos, desenvolveu-se a noção de medicina preventiva. Ou seja, não preciso de médico apenas para "me curar de uma doença", da utilização de equipamentos padrão Fifa para o necessário diagnóstico. No SUS existe o tal Programa Saúde da Família. Segundo o Ministério da Saúde, "a Saúde da Família é entendida como uma estratégia de reorientação do modelo assistencial, operacionalizada mediante a implantação de equipes multiprofissionais em unidades básicas de saúde. Estas equipes são responsáveis pelo acompanhamento de um número definido de famílias, localizadas em uma área geográfica delimitada. As equipes atuam com ações de promoção da saúde, prevenção, recuperação, reabilitação de doenças e agravos mais frequentes, e na manutenção da saúde desta comunidade".

Ou seja, além de trabalhar o aspecto comunitário preventivo, procura-se resolver os males frequentes da comunidade. Quando se trata de algo que requer aquela estrutura dita acima, encaminha-se para o centro afim. Geralmente este centro fica a milhares de léguas, é pago ou, mesmo sendo público, demoram-se meses para o serviço. Além disso, e aí está o pior, temos o agravo do agravo. Faltam médicos nas localidades mais distantes e nas periferias das não distantes para fazer o serviço de atenção básica. O déficit é enorme. Quando mais se interioriza, mais grave o problema se torna. O próprio Conselho Profissional da área atesta.

Tem mais, os profissionais brasileiros, em geral, mostram-se desempolgados em atuar. Motivos são infindáveis, da falta de estrutura até a velha máxima (lugar de gente atrasada, sem opções de lazer, sem praia...), além do sonho de realização pessoal e profissional cultivado por esta e outras categorias (não é na novela das oito vigente em que o contexto se dá num hospital particular, com um galã sendo o dono, e toda aquela fanfarronice do horário nobre plim-plim?!).

Pra ser sincero, não me interessa saber se o cara veio da Etiópia, Inglaterra, EUA, Ilhas Virgens, da Lua ou o que o valha. Interessa que saiba o que faz. Aliás, é bom saber que parte dos estrangeiros vêm de Cuba. O grande trunfo do sistema de lá é a atenção básica, objeto de nossa questão aqui. E até onde sei, para não se incorrer ao exercício ilegal da profissão por parte de técnicos em enfermagem ou enfermeiros ou assistentes sociais ou porteiros ou vigilantes, faz-se necessária a presença de um médico acompanhando o processo. Se não há brasileiros dispostos, que chamem os de fora, principalmente quem tem experiência e entende do assunto. Continuemos, então, inclusive o Conselho da classe, a cobrar mais estrutura, mais atenção e muito mais providência para o drama do SUS, que requer, inclusive, a universalização dos médicos onde o povo está

Penso que qualquer debate que desconheça tais fatos, ou é mero corporativismo, ou pior, escancara de vez a cultura de elite impregnada na sociedade brasileira: o ódio feroz de classe, cruel e insensível.


Nenhum comentário:

Postar um comentário